"Morde & Assopra" e a receita trivial de Walcyr Carrasco
Vimos em "Morde & Assopra" o quanto Walcyr Carrasco está fora de forma. Já notado em trabalhos anteriores, o texto pouco inventivo ficou ainda mais acentuado agora, após acompanharmos situações batidas, personagens recauchutados e aquele chato humor infantil que é peculiar do autor. Dessa vez, as guerras de comida não foram tão exploradas, mas, em compensação, sobraram apelidos depreciativos. Coitados dos milhões de Joãozinhos espalhados por esse Brasil de meu Deus... Novamente, gordos, velhos, baixos, altos (Pirulitona?) e gays passaram por constrangimento na poltrona. Humor pautado apenas na pejoratividade é o fim!
No que se refere às situações batidas, Carrasco resgatou expedientes de outras histórias suas. O rapaz que transa com uma moça achando que é outra (Paulo Vilhena, Bruna Spínola e Carol Castro) foi visto em "A Padroeira" (2001), em um contexto ligeiramente diferente -- na trama de 2001, Mariana Ximenes casava com Murilo Rosa, mas era Isabel Filardis quem dormia com ele, entrando no quarto às escuras. O personagem que costura e descostura uma roupa para ganhar tempo foi outro déjà vi. Áureo (André Gonçalves, muito bem no papel) tentava adiar a troca de alianças com Celeste (Vanessa Giácomo) atrasando o arremate do vestido de noiva, enquanto em "Chocolate com Pimenta" (2003), Celina (Samara Felippo) bordava e desbordava uma toalha para não ter que consumar o casamento com o asqueroso Conde Klaus (Cláudio Corrêa e Castro), um velho avarento que ganhou uma versão feminina agora, a muquirana Salomé (Jandira Martini). Copiar a si mesmo é algo que Walcyr faz muito mal, convenhamos.
De comédia romântica, "Morde & Assopra" não teve nada. Foi comédia para jardim de infância e romance de banca de rodoviária. Nenhum casal emplacou... e olha que não foram poucos os personagens que trocaram juras de amor ao longo dos últimos sete meses. Adriana Esteves e Marcos Pasquim transbordaram química em trabalhos anteriores (a Lola e o Esteban, de "Kubanacan", levavam a audiência ao orgasmo a cada beijo), mas não funcionaram juntos agora. André Bankoff e Ildi Silva em nada somaram com os seus Tiago e Lídia, a exemplo de Sérgio Marone e Carol Castro como Marcos e Natália. Os péssimos Nívea Stelmann e Rodrigo Hilbert causaram náuseas com os seus Lavínia e Fernando, assim como as cenas de Mateus Solano e Flávia Alessandra ao som de "She" (Daniel Boaventura). Argh! Contudo, nada foi tão insuportável quanto o "namoro" de Marisol Ribeiro e Erom Cordeiro, que encheram o saco como Melissa e Padre Francisco e sequer engataram um relacionamento. Aguentar Vanessa da Mata cantando "Palavras" foi um martírio à parte...
Mas vou dar um desconto. Antes que alguém exija minha cabeça, admito que foi bonitinho o casal Alice (Marina Ruy Barbosa, essa garota vai longe) e Guilherme (Klebber Toledo), que recebeu melhor e maior atenção do autor do que os protagonistas de Adriana Esteves e Pasquim. Por falar em Adriana -- e aqui vai um ponto positivo da novela --, gostei de ver a força de Júlia, uma mocinha vigorosa, diferente das bobocas que estamos habituados a ver. Muitos criticaram o fato da personagem ter sido uma espécie de super-heroína, sempre resolvendo conflitos e ajudando a todos, mas achei isso interessante.
Aliás, foi Adriana Esteves quem me fez ensopar a almofada de tanto chorar. Aquela cena em que Dulce (Cássia Kis Magro), já muito doente, entrega uma boneca para Júlia e ensaia uma despedida, foi de cortar o coração. Adriana chorou feito criança, numa espontaneidade ímpar. Show!
Ah, o que dizer de Cássia Kis Magro?! Gloria Pires que me perdoe, mas essa sim é a grande atriz do ano! Cássia construiu uma personagem soberba, um trabalho realmente impecável. Fico imaginando o que seria da Dulce numa história adulta, nas mãos de um dramaturgo inspirado, num universo rico em possibilidades folhetinescas... Afinal, não é difícil concluir que a faxineira foi mais criação da atriz que do próprio autor. Se "Morde & Assopra" está saindo do ar com excelente audiência, muito se deve ao trabalho dessa grande profissional, que carregou boa parte da trama nas costas.
"Morde & Assopra" começou com cheiro de inovação, unindo dois universos díspares (paleontologia e robótica), mas nunca mostrou algo realmente diferente do que já vimos sair da cuca de Walcyr Carrasco. Mesmo antes da mexida no enredo (em prol dos índices de audiência), a sensação de mais do mesmo era gritante - já nas chamadas de estreia, aliás. Depois, só piorou. O resultado foi uma novela perdida em artifícios que não se justificaram. Se não fosse a pobre Dulce no meio disso tudo, sabe-se lá...
Obs.: Caio Blat, querido, selecione melhor seus trabalhos daqui por diante, porque o seu jardineiro foi de dar dó. Alex Reis (lembra dele?) escapou de uma grande roubada.
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